Mudam-se os tempos, mudam-se as formas de comunicação e a disposição com que se recebe as novidades. Longe vão os tempos em que esperava pelo correio diário, trazido pela mão de um carteiro que acelerava uma motorizada de zumbido familiar a toda a aldeia, que vestia uma farda cinzenta, que usava um boné de pala de plástico e que guardava numa mala de couro usada a tiracolo, as boas e as más notícias que marcavam dias felizes e dias infelizes.
Todos os dias era a mesma rotina, e todos os dias alguém perguntava: Já veio o carteiro?
Todos os dias se esperava a vinda do carteiro com a ansiedade com que se espera o regresso de um familiar de terras mais ou menos longínquas, esperava-se o carteiro porque com ele vinham as notícias esperadas e as inesperadas. Esperava-se que trouxesse o jornal mensal com as conquistas e desventuras do concelho, esperava-se que trouxesse a carta dos tios emigrados no outro lado do mundo, esperava-se que trouxesse o cartão de boas festas da família afastada com votos de muitas prosperidades para cada ano que se avizinhava, esperava-se que trouxesse a nota de levantamento das roupas que ainda se compravam por catálogo para assim se alimentar a vaidade.
O carteiro trazia também as contas da luz e da água... mas também essas eram esperadas e controladas.
Inesperadamente, o carteiro trazia um telegrama que marcava o início da saudade de alguém que se perdeu no horizonte da eternidade...
O carteiro era uma personagem que encarnava o rosto dos dias alegres, dos dias de rotinas, dos dias de pesar... mas era sempre uma presença ansiada na minha vida de miúda e na vida da aldeia, pois também ele trazia, quase sempre, a vida dos nossos.
Hoje, ainda há carteiro mas já não o espero com a impaciência ou comoção de alma que sentia. Hoje nem sempre desejo a sua presença, já não me traz o cartão de boas festas ou a nota de encomenda da camisola que iria aguçar a soberba alheia em domingo de Páscoa.
Hoje, ainda há carteiro, mas já não me entrega a correspondência em mãos, deixa na caixa, já não reconheço o barulho da motorizada a aproximar-se... já não o conheço.