Se dúvidas havia acerca da forma desrespeitosa como o nosso governo na figura de Nuno Crato trata os professores, nomeadamente os contratados, essas foram completamente desfeitas com o Projeto de diploma da Prova de Avaliação de Conhecimentos, Capacidades e Competências enviado ontem, no silêncio da noite aos Sindicatos de Professores da nossa praça.
Neste Projeto de diploma, é referida a obrigatoriedade da realização de uma prova de avaliação nas variantes de componente específicas da área de formação e uma componente comum que poderá versar sobre questões de ordem pedagógica, burocrática, institucional... quem sabe, iremos assistir à a ressurreição da PGA (Prova Geral de Acesso ao Ensino Superior)... especulo eu!
No meu ponto de vista acho esta medida do Ministério da Educação, no mínimo, HUMILHANTE, ao sujeitar professores que servem a escola pública há 10, 15 e 20 anos, mas que para sua desventura, não tiveram a oportunidade de celebrar um vínculo com a tutela.
Esta medida que creio, possa levantar alguma polémica, levanta uma série de questões, sendo uma das mais prementes o "atestado de burrice e incompetência" passado pelo MEC às Universidades e Instituições de Ensino Superior por ele tuteladas, atestado que por isso, lhe é extensivo. Nesta ordem de raciocínio, temos professores que não são dignos da habilitação profissional que detêm e que por isso prestam um mau serviço educativo, sendo os principais responsáveis pelos maus resultados dos alunos, quer a nível de exames nacionais quer a nível da taxa de retenções no ensino básico.
Parece-me que esta medida recuperada dos tempos de governação de Maria de Lurdes Rodrigues (sujeita a uma operação de cosmética mas com efeitos inestéticos pois, piorou-se aquilo que já era mau), surge como uma vingança mesquinha sobre aqueles de quem se julga serem os culpados dos maus resultados dos alunos nos Exames Nacionais, contudo, parece-me também que este castigo falha o alvo. Senão vejamos: no ano letivo 2013/2014 a percentagem de professores contratados nas escolas foi residual, facto aliás que se tem vindo a acentuar há uns anos a esta parte, por isso se há culpas, porque as há, não creio que seja esta a origem. Os professores são sempre um elo mais fraco nesta cadeia e ainda não ouvi ninguém dizer, ou pelo menos equacionar, que a causa de tanto insucesso possa estar nas pseudo reformas, anuais, que se vão fazendo no sistema de ensino geradoras de instabilidade, desmotivação e incertezas.
Convido-vos a imaginar o seguinte cenário: uma turma com trinta alunos numa sala com capacidade para vinte e cinco, 10 alunos com dificuldades várias e outros tantos com problemas comportamentais, um professor que tem no seu plano de aula fazer análise textual e aplicação de ficha de consolidação de conhecimentos. Começa a aula: o professor pede a cinco alunos para irem à sala do lado buscar cinco cadeiras e dividam com os colegas uma mesa por três. Com isto tudo, já lá vão 5 a 7 minutos... chamada iniciada e interrompida meia dúzia de vezes para chamar a atenção de dois alunos que insistem em terminar a conversa do intervalo e para retirar o telemóvel a outro que contesta asperamente, alega que espera uma chamada urgente da mãe pois esta vem-lhe entregar o equipamento para Educação Física e ele vai ter que sair da sala nessa altura (o menino não confia nos funcionários... e o professor não confia na "peta" velha e desgastada)... mais 5 minutos que já eram... Manual aberto, página 43, texto 2, quatro parágrafos médios ... (há alunos que ainda não têm manual pois os pais estão desempregados e ainda não puderam pagar os livros na papelaria do bairro), falta texto para tantos voluntários... os outros leem na próxima aula (espera-se que não desmotivem até lá, é um risco que o professor corre!), leitura iniciada, interrompida, retomada, interrompida, novamente retomada e finalmente terminada...mais 20 minutos gastos. Momento de análise... muitas dúvidas, poucos perceberam o texto, uns estiveram desatentos, outros quase adormeceram com o efeito dos comprimidos para a hiperatividade. O professor resume o texto com a ajuda dos poucos mais autónomos e escreve no quadro as principais conclusões...apontamentos que vão demorar uns bons minutos até deixarem de ser apenas um aglomerado de carateres no quadro e passarem a fazer sentido na cabeça e caderno daqueles alunos... já lá vão muitos minutos de aula, ainda falta a ficha e os alunos começam a agudizar o seu comportamento irrequieto... ficha distribuída, estrutura explicada e alguns alunos iniciam a sua resolução, só alguns, porque os outros têm dificuldades e o professor gasta em média cinco minutos com cada um desses alunos em apoio individualizado em sala de aula... toque de saída, ficha para terminar em casa e o professor apenas esclareceu as dúvidas a seis alunos... na próxima aula do dia o cenário deve ser mais ou menos o mesmo e assim será até ao final do ano letivo... depois fazem o exame!
O meu convite inicial foi um apelo à vossa imaginação, mas tenho a dizer que qualquer semelhança entre a realidade e imaginação é pura verdade.
Com isto, julgo não me ter desviado do tema central deste post, apenas fiz um atalho para mostrar uma ínfima imagem do que é o trabalho docente em escolas públicas portuguesas.
O Governo de Pedro Passos Coelho, tem um ódio visceral a algumas classes profissionais, e a dos professores não escapa a esse crivo. Provavelmente, há por lá algum recalcamento em relação a professores que tiveram e agora tem que fazer a terapia através de um processo de transferência de ódios antigos sobre professores antigos para os atuais. Se tiveram maus professores, eu também os tive, desde obrigarem-me a decorar textos em inglês sem que soubesse o que debitava e que ainda hoje, passados trinta anos os sei de cor e salteado, com a diferença que sei o que estou a dizer, até passar a maioria das aulas do ano letivo a ler em voz alta, treinando a dicção...mas nem por isso me tornei uma pessoa incapaz de reconhecer o valor da classe, é um lugar comum, mas em todo o lado há bons e maus profissionais.
Aquilo que se está a tentar fazer aos professores contratados é um desrespeito pelo seu trabalho, esforço e dedicação, para além de ser um claro ataque à sua dignidade profissional e por isso, não posso deixar de manifestar o meu claro e direto repúdio por medidas que incitam à divisão da classe profissional em professores e candidatos a professores, à discriminação profissional e à negação do principio da universalidade e igualdade e ainda à instrumentalização dos professores contratados como meios para atingir um fim, que é a dispensa destes.
Acharia muito mais nobre que vedassem o acesso à docência a estes professores de uma forma clara e objetiva do que aquilo que pretendem fazer, submetê-los a uma humilhação para qual ainda vão ter que pagar, aproveitam-se dos míseros euros que lhes pagam para depois os cilindrarem literalmente.
Tenham respeito pelas pessoas, por quem foi avaliado numa faculdade durante cinco anos, num estágio por avaliadores internos e externos, por quem é anualmente avaliado pelo que faz, por quem dedicou os seus melhores anos ao seu país, por quem calcorreou o país de lés a lés, por quem acreditou no seu contributo e no natural reconhecimento, por quem quer trabalhar...